Antónia
da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao
encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de
tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É
baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe
posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será
chamada Florbela Espanca. Apelido
que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor.
Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.
A
mãe morre algum tempo depois.
Tem
infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por
insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias
semelhantes.
O
pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez
anos, em poema de parabéns de aniversário ao "querido papá da sua
alma" escreve que a "mamã" cuida dela e do mano "mas se tu
morreres/ somos três desgraçados" .
Será
acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.
Ingressa
no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e
bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a
cabeça dos colegas.
Não
são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia.
Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo,
prenunciam o que virá depois.
Esta
precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita
divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e
outras tendências do designado "Modernismo", e que emergem como as
grandes referências literárias da época, das quais Florbela parecerá arredada.
Inicialmente
sem dificuldades económicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará
ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte e dois anos,
irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.
Publica
vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como
seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.
Edita
os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de
Soror Saudade, onde incluirá grande parte da produção anterior.
Refere
o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns
poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.
Contrai
matrimónio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido
em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário
Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efectuará. Do
segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos
escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de
Soror Saudade, titulo diferente do projetado e esquecendo a dedicatória.
Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
(Florbela Espanca, «Charneca em Flor»,
in «Poesia Completa»)
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